Edição nº 134
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De amigo para amigo
Soube por minha sobrinha que “A Bruxa de Portobello”, meu novo livro, mesmo antes de estar impresso, já circulava na internet em sua versão integral. Fiquei intrigado: como isso podia ter acontecido?
Meu próximo passo, evidente, foi procurar em todos os mecanismos de busca onde poderia encontrar o manuscrito. O resultado foi: em lugar nenhum. Mesmo assim, a sobrinha mostrou-me o original. Imaginei que tinha sido enviado por uma das cinco pessoas a quem costumo mostrar antes do texto ser publicado. Mas isso significaria lançar suspeita sobre gente que adoro; além do mais, mando meus manuscritos inéditos há anos para elas, e isso nunca, digamos, “vazou” para o grande público. Tampouco poderia ter vazado pelos editores, já que eles não têm o menor interesse em difundir gratuitamente algo que é sua fonte de renda.
Resolvi deixar de lado o tema, afinal de contas a internet é realmente um meio de democratização da cultura. Mas insisti com minha sobrinha, de 24 anos, onde ela tinha conseguido o manuscrito. Depois de muito relutar, ela mostrou-me um universo que eu, que navego na Web há dez anos, desconhecia completamente, e que é absolutamente impossível de controlar (como explicarei no final – embora acredite que grande parte das pessoas que estão lendo esta newsletter já saibam do que estou falando).
É já que não adiantava lutar contra o impossível, pedi para conhecer esta gigantesca teia. Ou seja, por quatro horas virei um “pirata” de mim mesmo. A sobrinha insiste que não tem nada de errado, que esta é a cultura da internet, que é isso que está mudando o mundo, e não as manifestações contra a globalização nos fóruns mundiais.
O que é a cultura da internet? Segundo as palavras dela: você tem direitos básicos à informação e ao prazer. Se tiver dinheiro para comprar um livro, vá e compre – é muito mais agradável ler sobre a forma impressa. Mas se não tiver, seus direitos continuam – e é preciso encontrar uma maneira de exercê-los.
Como? Existe uma zona estranha na rede, chamada em inglês de “Peer 2 Peer”. Procurei uma tradução (em um dicionário gratuito da internet), e significa mais ou menos: “de amigo para amigo”.
Como começou? Minha sobrinha tem a resposta na ponta da língua. No início, era a vontade de conversar com os outros. Em seguida, veio a necessidade de conversar com várias pessoas ao mesmo tempo. Mas conversar não basta – é preciso mostrar a música, dividir o livro ou o filme que amamos. Quando não havia nenhuma lei a respeito, estas informações eram livremente trocadas. Finalmente, quando a indústria de entretenimento se deu conta e começou a repressão, os jovens na internet conseguiram sempre se manter um passo adiante, e a coisa continua.
O conceito também mudou: antes, era dividir com os amigos algo que se admirava. Agora é deixar disponível para quem quiser algo que achamos que deve ser dividido.
O mecanismo funciona mais ou menos assim: eu compro um livro, gosto. Tiro uma fotocópia digital de suas páginas, e coloco no meu computador, no mesmo tempo que, abro um túnel para que alguém possa vir até aqui e pegá-lo. Por meu lado, entro neste túnel e vou a computadores dos outros, e pego também tudo que me interessa (normalmente músicas e filmes). Aos poucos, este material está estocado no mundo inteiro, e ninguém consegue mais evitar que seja copiado.
Em seguida me mostrou que apenas em um dos muitos lugares de “Peer 2 Peer”, eu tenho 325 obras, em diversas línguas, em centenas ou milhares de computadores. Confesso: fiquei muito honrado com isso, prova de que os leitores realmente são a peça fundamental na divulgação de um trabalho, mesmo que isso não seja feito através de meios convencionais.
Evidente que eu não vou ensinar a ninguém a como chegar ali – isso envolve uma série de mecanismos legais, e pode complicar minha vida. Tampouco adianta digitar a expressão nos mecanismos de busca: eles não darão o caminho das pedras. Mas se você tiver em sua casa alguém abaixo de 18 anos de idade, com toda certeza ela já tem uma coleção de músicas que vieram deste lugar. Pergunte ao seu filho, neto, ou sobrinho.
Mas por favor, não diga a ele que só descobri isso agora: ele vai achar que estou velho demais, e perderei um leitor.
A bruxa de Portobello, novo livro de Paulo Coelho
A história de Athena, em busca do caminho sagrado feminino. Virgem? Santa? Martir? Louca? Você pode ler alguns capítulos e discutir com outros leitores aqui.