Edição nº 232

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Histórias de viagem


Histórias de viagem

Ekaterinburg (Rússia): os sapatos

Logo depois da queda do sistema comunista, uma empresa belga envia à cidade russa dois representantes para ver a viabilidade de vender seus produtos. Recebe dois relatórios diferentes:

“Aqui ninguém usa sapatos ocidentais” escreve o primeiro. “Se instalarmos uma fábrica, teremos prejuízo.”

“Aqui ninguém usa sapatos ocidentais” escreve o segundo representante. “Se instalarmos uma fábrica, lançaremos a moda e venderemos toda a produção.”

 

Kairuan (Tunísia): o verdadeiro devoto

Abu Sari tinha uma loja de quinquilharias no meio do principal mercado da cidade. Passava o dia vendendo, comprando, barganhando com os fregueses.

Mas, toda tarde, fechava uma cortina de pano num dos cantos da pequena loja e rezava.

Certa tarde, um mulá o procurou. Disse que estava próximo de Deus, e queria compartilhar com Abu Sari sua felicidade.

"Onde você vive?", perguntou o comerciante.

"No deserto", respondeu o recém-chegado. "Ali consigo contemplar a face do Altíssimo, e mergulhar em suas bênçãos".

"Se você mora no deserto, isto significa que ainda está longe da Divindade", respondeu Abu Sari. "Um homem iluminado vive no meio de um mercado, e não se ausenta um minuto da presença de Deus".

 

Odessa (Ucrânia): a gaivota e o rato

A gaivota voava por cima de uma praia no Mar Negro, quando viu um rato. Desceu dos céus, e perguntou ao roedor:

- Onde estão suas asas?

Cada bicho fala um idioma, e o rato não entendeu o que ela dizia; mas notou que o animal a sua frente tinha duas coisas estranhas e grandes saindo de seu corpo.

"Deve sofrer alguma doença", pensou o rato.

A gaivota percebeu que o rato olhava fixamente suas asas:

- Pobrezinho. Foi atacado por monstros, que lhe deixaram surdo e roubaram as asas.

Compadecida, pegou-o em seu bico, e levou-o para passear nas alturas. "Pelo menos ele mata a saudade", pensava, enquanto voavam. Depois, com todo cuidado, deixou-o no chão.

O rato, durante alguns meses, tornou-se uma criatura profunda­mente infeliz: tinha conhecido as alturas, viu um mundo vasto e belo.

Mas, com o passar do tempo, terminou de novo acostumando-se a ser rato, e achou que o milagre que tinha acontecido em sua vida não passava de um sonho.

 

Irkutsk (Rússia): o homem amado

Um xamã siberiano pediu que Deus lhe mostrasse um homem amado por Ele. O Senhor aconselhou-o a procurar certo lavrador.

- O que você faz para que o Senhor lhe ame tanto? - perguntou o xamã ao lavrador, quando o encontrou.

- Digo Seu nome de manhã. Trabalho o dia inteiro, e digo o Seu nome antes de dormir. Só isso.

"Acho que errei de homem", pensou o xamã. E neste momento, o Senhor apareceu, dizendo:

- Encha uma tigela de leite, vá até a cidade e volte - sem derramar uma gota sequer.

O xamã obedeceu. Na volta, o Senhor quis saber quantas vezes havia pensado Nele.

- Como podia? Estava preocupado para não derramar o leite!

- Uma simples tigela, fez você Me esquecer - disse o Senhor. - E o lavrador, como todos os seus afazeres, pensa em mim duas vezes ao dia.

 
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