Edição nº 31
O processo criativo |
Contos sobre
mestres e caminhos
Reflexões
do Guerreiro da Luz
Todo processo criativo, seja ele
na literatura, na engenharia, na informática - e até
mesmo no amor - respeita sempre um mesmo padrão: o ciclo
da natureza. A seguir, listo as etapas deste processo:
a] aragem do campo: no momento em
que o solo é revirada, o oxigênio penetra onde antes
não conseguia. O campo ganha um novo rosto, a terra que estava
em cima agora está embaixo, e o que estava embaixo transformou-se
em superfície. Este processo de revolução interior
é muito importante - porque, da mesma maneira que o novo
rosto daquele campo irá ver a luz do sol pela primeira vez,
e deslumbrar-se com ela, uma reavaliação dos nossos
valores permitirá ver a vida com inocência, e sem ingenuidade.
Assim, estaremos preparados para o milagre da inspiração.
Um bom criador tem que saber estar sempre revirando seus valores,
e jamais ficar contente com aquilo que julga entender.
b] a semeadura: toda obra é
fruto do contacto com a vida. O homem criador não pode trancar-se
em uma torre de marfim; precisa estar em contacto com o próximo,
e compartilhar sua condição humana. Nunca vai saber,
de antemão, quais as coisas que serão importantes
no futuro, de modo que, quanto mais intensa sua vida, mais possibilidades
tem de encontrar uma linguagem original. Le Corbusier dizia que
"enquanto o homem quis voar imitando os pássaros, nunca
conseguiu." O mesmo se passa com o artista: embora ele seja
um tradutor de emoções, a linguagem que ele está
traduzindo não é inteiramente conhecida por ele, e
se tentar imitar ou controlar a inspiração, jamais
chegará onde deseja. Ele precisa permitir que a vida semeie
o campo fértil do seu inconsciente.
c] a maturação: existe
um tempo onde a obra se escreve sozinha, com liberdade, no fundo
da alma do autor - antes que este se atreva a manifesta-la. No caso
da literatura, por exemplo, o livro está influenciando o
escritor, e vice-versa. É sobre este momento que o poeta
brasileiro Carlos Drummond de Andrade se refere, ao dizer que jamais
devemos tentar recolher os versos que se perdem, pois eles não
mereciam ver a luz do dia. Conheço gente que, durante a maturação,
fica compulsivamente tomando notas de tudo que passa pela cabeça,
sem respeitar aquilo que está sendo escrito no inconsciente.
O resultado é que as notas, frutos da memória, terminam
atrapalhando os frutos da inspiração. O criador precisa
respeitar o tempo de gestação, embora saiba que -
assim como o agricultor - ele só tem parcial controle do
seu campo; está sujeito a sêca, ou a inundações.
Mas, se souber esperar, a planta mais forte, que resistiu às
intempéries, virá à luz com toda sua força.
d] a colheita: é o momento
que o homem vai manifestar em um plano consciente aquilo que ele
semeou e deixou maturar. Se colher antes, a fruta está verde,
se colher depois, a fruta está podre. Todo artista sabe reconhecer
a chegada deste momento; embora certas perguntas ainda não
tenham maturado o suficiente, certas idéias ainda não
estejam claras e cristalinas, elas irao se re-organizar a medida
que a obra está sendo feita. Sem medo, e com disciplina,
ele entende que é preciso trabalhar de sol a sol, até
que seu trabalho esteja completo.
E o que fazer com os resultados da
colheita? De novo, olhamos a Mãe Natureza: ela compartilha
tudo com todos. Um artista que quer guardar sua obra para si mesmo,
não está sendo justo com recebeu do momento presente,
nem com a herança e os ensinamentos de seus antepassados.
Se deixarmos os grãos estocados no celeiro,eles terminarão
apodrecendo, embora tenham sido colhidos no momento certo. Quando
a colheita termina, chega o momento em que é preciso dividir,
sem medo ou vergonha, a sua própria alma.
Essa é a missão do artista,
por mais dolorosa ou gloriosa que seja.