Edição nº 59

Duas histórias de Natal
Humi quer ganhar sempre mais  |  Mogo e a festa sem sentido

Humi quer ganhar sempre mais

( adaptado de uma história enviada pela leitora Shirlei Massapust)

     Há muitos anos, vivia no Japão um jovem chamado Humi , que ganhava o seu sustento quebrando pedras. Embora forte e saudável, o rapaz não estava contente com seu destino, e queixava-se noite e dia.
     No dia de Natal, rezou com muita fé, e seu anjo da guarda terminou aparecendo.
     - Você tem saúde, e uma vida pela frente - disse o anjo. - Todos os jovens começam fazendo algo. Por vive reclamando?
     - Deus foi injusto comigo, e não me deu oportunidade de crescer - respondeu Humi.
     Preocupado, o anjo foi a presença do Senhor, pedindo ajuda para que seu protegido não terminasse perdendo sua alma.
     - Seja feita a tua vontade - disse o Senhor. - Como é Natal, tudo que Humi quiser lhe será concedido.
     No dia seguinte, Humi quebrava pedras quando viu passar uma carruagem levando um nobre, coberto de jóias. Passando as mãos pelo rosto suarento e sujo, Humi disse com amargura:
     - Por que não posso eu ser nobre também? Este é o meu destino!
     - Sê-lo-ás! - murmurou seu anjo, com imensa alegria.
     E Humi transformou-se no dono de um palácio suntuoso, muitas terras, cercado de servidores e cavalos. Costumava sair todos os dias com seu impressionante cortejo, e gostava de ver seus antigos companheiros alinhados à beira da rua, olhando-o com respeito.
     Numa destas tardes, o calor estava insuportável; mesmo debaixo de seu guarda-sol dourado, Humi transpirava como no tempo em que lascava pedras. Deu-se então conta de que não era tão importante assim: acima dele havia príncipes, imperadores, e ainda mais alto que estes estava o sol, que não obedecia a ninguém - pois era o verdadeiro rei.
      - Ah, anjo meu! Por que não posso ser o sol? Este deve ser meu destino! - lamentou-se Humi.
     - Pois sê-lo-ás! - exclamou o anjo, escondendo sua tristeza diante de tanta ambição.
     E Humi foi sol, como era seu desejo.
     Enquanto brilhava no céu, admirado com seu gigantesco poder de amadurecer as colheitas, ou queimá-las a seu bel-prazer, um ponto negro começou a avançar ao seu encontro. A mancha escura foi crescendo - e Humi reparou que era uma nuvem, estendendo-se a sua volta, e fazendo com que não mais pudesse ver a Terra.
     - Anjo! - gritou Humi- A nuvem é mais forte do que o sol! Meu destino é ser nuvem!
     - Sê-lo-ás! - respondeu o anjo.
     Humi foi transformado em nuvem, e achou que havia realizado o seu sonho.
     - Sou poderoso! - gritava, escurecendo o sol.
     - Sou invencível! - trovejava, perseguindo as ondas.
     Mas, na costa deserta do oceano erguia-se uma imensa rocha de granito, tão velha como o mundo. Humi achou que a rocha o desafiava, e desencadeou uma tempestade que o mundo nunca antes vira. As ondas, enormes e furiosas, golpeavam a rocha, tentando arrancá-la do solo e atirá-la no fundo do mar.
     Mas, firme e impassível, a rocha continuava no seu lugar.
     - Anjo! - soluçava Humi - a rocha é mais forte que a nuvem! Meu destino é ser uma rocha!
     E Humi transformou-se na rocha.
     - Quem poderá vencer-me agora? - perguntava a si mesmo. - Sou o mais poderoso do mundo!
     E assim se passaram vários anos, até que, certa manhã, Humi sentiu uma lancetada aguda em suas entranhas de pedra, seguida de uma dor profunda, como se uma parte de seu corpo de granito estivesse sendo dilacerada. Logo ouviu golpes surdos, insistentes, e novamente a dor gigantesca.
     Louco de espanto gritou:
     - Anjo, alguém está querendo me matar! Ele tem mais poder que eu, eu quero ser como ele!
     - E sê-lo-ás! - exclamou o anjo, chorando.
     E foi assim que Humi voltou a lascar pedras.

 
Edição nº59