Edição nº 226

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Histórias de leitores


Histórias de leitores

O cantor substituto (enviada por Murali)

Aconteceu há muitos anos na Ópera de Paris (não pude comprovar se é verdade). Os ingressos estavam todos esgotados para a apresentação de um famoso tenor, mas no dia marcado, já com a casa repleta, descobriu-se que um problema de transporte iria impedir que ele chegasse a tempo.

Desconcertado, o diretor da Ópera subiu ao palco, explicou o que estava acontecendo, e pediu que um tenor local o substituísse.

A audiência reagiu como era de se esperar; desconforto, alguns expectadores se levantando para pedir o dinheiro de volta, e outros simplesmente aguardando o que estava por vir, já que tinham marcado seus choferes e seus jantares para determinada hora, e não sabiam exatamente como passar o tempo.

O tenor substituto subiu ao palco e fez o melhor que podia. Durante duas horas, cantou com sua alma e seu coração. No final, um silêncio quase completo – porque não era exatamente ele que esperavam escutar.

Apenas um espectador aplaudia. E em determinado momento, ouviu-se sua voz infantil:

- Papai, você é genial! Você é genial!

No momento seguinte, todo o teatro ovacionava de pé o espetáculo; uma simples palavra de amor havia mudado tudo.

 

O velho fadista (enviada por Cristina Santos)

A varanda de minha casa está virada a poente, por isso tem a vantagem de em dias claros, de inverno ou verão, receber a luz do sol durante quase toda à tarde. Certa manhã ocupava-me das tais tarefas domésticas, quando vi a figura humilde e andrajosa de um homem; se não era muito idoso, estava maltratado pela vida e pelo tempo.

Para se deslocar recorria à ajuda de muletas, pois uma das pernas estava atrofiada. E me impressionou porque mesmo assim ainda conseguia transportar uma velha guitarra clássica!

Sentou-se em um bar em frente e começou a cantar. Assim que escutei a sua voz, estremeci! Era tão bela, como
a de um anjo sereno e abençoado, embora triste. Aos poucos
preencheu todo o ambiente, ecoou nas paredes, envolveu-me, elevou-me... Percebi minhas lágrimas involuntárias que rolavam para o chão, pressenti as pessoas emocionadas que acorriam às varandas. E as crianças estupefatas e maravilhadas que já não brincavam...

Compreendi que vivia um momento de efêmera eternidade, de comunhão com outras almas, como se por magia estivéssemos sidos chamados à outra dimensão, a um universo mais belo, onde talvez tudo fizesse sentido... Ou talvez não!

Por fim, a sua voz calou-se e ficou um silêncio que tinha gosto de vazio, quase opressivo, mas logo as palmas troaram efusivas, os sorrisos iluminaram e as crianças gritaram ‘bis’ entusiasmadas.

No entanto, o homem, como que completada a sua missão, preparou as muletas e continuou seu caminho. Saí correndo e só descansei quando o alcancei, esbaforida. Era tão óbvio deduzir que o fado era o seu ganha pão, que sem hesitar lhe apertei uma nota na mão, mas juro que foi apenas, quando comovida, o abracei e lhe pedi que nunca mais parasse de cantar, e o seu rosto enrugado e cansado se suavizou... e me sorriu!

Não voltei a vê-lo, mas quero acreditar que continua por outros caminhos, a chorar o seu fado, a cumprir a sua missão. Se por acaso ele passar aí perto, diga-lhe, por favor, que não o esqueci.

 

O mestre não sofre com os maus discípulos? (enviada por Arash)

Um discípulo perguntou a Firoz:

- A simples presença de um mestre, faz com que todo tipo de curioso se aproxime, para descobrir algo do que se possam beneficiar. Isto não pode ser prejudicial e negativo? Isto não pode desviar o mestre do seu caminho, ou fazer com que sofra porque não conseguiu ensinar o que queria?

Firoz, o mestre sufi, respondeu:

- A visão de um abacateiro carregado de frutas desperta o apetite de todos que passam por perto. Se alguém deseja saciar sua fome alem da sua capacidade, termina comendo mais abacates que necessário, e passa mal. Entretanto, isto não causa nenhum tipo de indigestão ao dono do abacateiro.

“O caminho precisa estar aberto para todos; mas Deus se encarrega de colocar os limites de cada um”.

 

Isaac é necessário (enviada por Orit)

Certo rabino era adorado por sua comunidade; todos ficavam encantados com o que dizia.

Menos Isaac, que não perdia uma chance de contradizer as interpretações do rabino, apontar falhas em seus ensinamentos. Os outros ficavam revoltados com Isaac, mas não podiam fazer nada.

Um dia, Isaac morreu. Durante o enterro, a comunidade notou que o rabino estava profundamente triste.

- Por que tanta tristeza? - comentou alguém. - Ele vivia colocando defeito em tudo que o senhor dizia!

- Não lamento por meu amigo que hoje esta' no céu - respondeu o rabino. - Lamento por mim mesmo. Enquanto todos me reverenciavam, ele me desafiava, e eu era obrigado a melhorar. Agora que ele se foi, tenho medo de parar de crescer.

 
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